domingo, 20 de abril de 2014

Presidente do Cimi denuncia ao papa Francisco violações aos direitos indígenas

O papa Francisco e o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), dom Erwin Kräutler, se reuniram hoje (4), no Vaticano, para discutir as violações aos direitos indígenas no Brasil. Segundo a assessoria do Cimi, os representantes da entidade indigenista ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) relataram ao líder mundial da Igreja Católica casos de violência contra as comunidades indígenas – em especial a situação dos povos guaranis e guarani-kaiowás de Mato Grosso do Sul, que vivem em áreas consideradas insuficientes para suas necessidades.
Em nota, a assessoria do Cimi informa que dom Erwin entregou ao papa um documento no qual a entidade indigenista denuncia, entre outras coisas, que as agressões contra os índios são promovidas por grupos privados, em aliança com o governo federal. “Grupos políticos e econômicos relacionados com a agroindústria, a mineração e construtoras, com apoio e participação do governo brasileiro, tratam de revogar os direitos territoriais dos povos indígenas”, diz trecho do comunicado.
De acordo com o Cimi, ao menos 437 terras pertencentes a 204 comunidades indígenas sofrem com os impactos de grandes empreendimentos. Caso da construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, no Pará. A entidade indigenista afirma, ainda, que entre os povos afetados por tais projetos estão grupos em situação de isolamento voluntário.
O documento também trata dos conflitos resultantes da disputa por terras entre índios e produtores rurais, no sul da Bahia e no interior do Rio Grande do Sul, e menciona a situação dos povos indígenas do Vale do Javari - sudeste do estado do Amazonas -- que, de acordo com o Cimi, não recebem a devida assistência médica e sucumbem a surtos de hepatite e de outras doenças contagiosas.
Ainda de acordo com a assessoria, dom Erwin e o assessor teológico do Cimi, Paulo Suess, afirmaram ao papa Francisco que o governo da presidenta Dilma Rousseff, contrariando a Constituição brasileira, paralisou a demarcação das terras indígenas, o que serviria de estímulo à violência contra os direitos dos povos tradicionais. De acordo com o Artigo 67 do texto constitucional de 1988, a União deveria concluir a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos, a partir da promulgação da Carta Magna.
“A paralisação da demarcação é uma das principais causas de conflito e da violência que sofrem os povos indígenas”, diz outro trecho do documento entregue ao papa, junto com cópias de publicações e estudos que sustentam as denúncias apresentadas ao Vaticano.
Dom Erwin relatou ao papa que o próprio Cimi e outras organizações indigenistas são alvo de ataques para garantir os interesses do agronegócio, e que a violência física e verbal contra os representantes dessas entidades tem aumentado. “Os missionários do Cimi são atacados sistematicamente por deputados que encarnam os interesses da agroindústria e dos fazendeiros”.

CARTA DIRIGIDA AO PAPA FRANCISCO EM JULHO DE 2013(CPT)


Caríssimo Irmão Francisco, 
Como é bom nos dirigir ao senhor chamando-o simplesmente de irmão, sem qualquer outro título que o distancie do projeto de Jesus. Sentimo-nos muito próximos do senhor por esta sua postura simples e sonhamos com um dia a Igreja se ver totalmente livre, simples e pobre como Jesus de Nazaré, ao lado dos pobres com tantos rostos e nomes. Queremos saudar sua presença no Brasil na Jornada Mundial da Juventude.
Quem somos nós? Somos um conjunto de pastorais da igreja que atuam junto aos homens e mulheres do campo e das águas: o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atua junto aos povos indígenas de todo o Brasil; a Comissão Pastoral da Terra, CPT, que tem sua atuação junto às diversas categorias de camponeses e camponesas, junto aos trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, aos pequenos agricultores familiares, às comunidades quilombolas (comunidades remanescentes formadas por afrodescendentes fugidos da escravidão) e junto aos trabalhadores que acabam submetidos a condições análogas ao trabalho escravo; o Conselho Pastoral dos Pescadores, CPP, que tem como objetivo ser presença de gratuidade evangélica no meio dos pescadores e pescadoras artesanais, estimulando suas organizações para a preservação do meio ambiente e a permanência em seus territórios tradicionais;  o Serviço Pastoral dos Migrantes, SPM, que desenvolve sua ação junto às famílias que constantemente migram em busca de melhores condições de vida, ou de pessoas que todos os anos procuram em outras regiões, longe de suas casas,  trabalhos temporários;  a Pastoral da Juventude Rural, PJR, que atua com os jovens camponeses.
Neste serviço solidário ouvimos todos os dias os gemidos de dor e angústia de milhares de famílias que foram ou ainda são espoliadas de suas terras, de seus meios de subsistência e de sua cultura, que são discriminadas e invisibilizadas Os direitos destes povos, comunidades e famílias são constantemente negados para abrir espaço ao avanço de empresas e empreendimentos capitalistas com seus grandes projetos de “desenvolvimento” com construção de hidrelétricas, exploração de minérios, monocultivos do agronegócio e outros que tudo querem transformar em mercadoria.
Quando alguns direitos são reconhecidos, acabam não sendo respeitados. Para serem reconhecidos é preciso percorrer um penoso e desgastante processo que se prolonga por décadas. Isto acontece, sobretudo quando se trata do direito aos territórios dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos pescadores e ribeirinhos e de outras comunidades tradicionais. Porém o reconhecimento e regularização destes territórios e a sonhada Reforma Agrária continuam presentes na sua pauta.
Este trabalho evangélico desenvolvido por bispos, padres, religiosos e religiosas e, sobretudo, por leigos e leigas sofre o ataque de diversos setores da sociedade, em especial daqueles que se colocam como os únicos portadores de direitos, em particular do direito de propriedade e dos que os apoiam. O mais angustiante, porém, é que esta incompreensão a encontramos também em setores da própria igreja e da parte de muitos bispos e padres que estão mais ao lado dos que têm bens e poder, do que ao lado dos pobres.
Irmão Francisco, cada vez que o ouvimos falar que a igreja deve sair de dentro de suas estruturas e estar ao lado dos pobres para ouvir seus clamores e sentir de perto seus sofrimentos, nos sentimos apoiados e fortalecidos em nosso trabalho e em nossa Missão que é a missão samaritana de ajudar a que os caídos se levantem e caminhem por si, a que os oprimidos ergam a cabeça reconhecendo sua dignidade de filhos e filhas de Deus.

Gostaríamos imensamente que um dia o senhor pudesse pessoalmente conhecer de perto a realidade do povo das comunidades com as quais trabalhamos para dar-lhes uma palavra de incentivo e afeto. Mas como no momento não é possível, gostaríamos que mesmo de longe envie sua palavra de conforto para eles  que sofrem a cada dia as violências e as ameaças à vida e à dignidade humana.
Que o Senhor que é pai e mãe de todos abençoe seu ministério à frente da Igreja e abençoe a todos e todas nós.
Dom Enemésio Lazzaris - Bispo de Balsas - MA                                      
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Rio de Janeiro, 23 de julho de 2013.