O papa Francisco e o presidente do Conselho Indigenista Missionário
(Cimi), dom Erwin Kräutler, se reuniram hoje (4), no Vaticano, para
discutir as violações aos direitos indígenas no Brasil. Segundo a
assessoria do Cimi, os representantes da entidade indigenista ligada à
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) relataram ao líder
mundial da Igreja Católica casos de violência contra as comunidades
indígenas – em especial a situação dos povos guaranis e guarani-kaiowás
de Mato Grosso do Sul, que vivem em áreas consideradas insuficientes
para suas necessidades.
Em nota, a assessoria do Cimi informa que
dom Erwin entregou ao papa um documento no qual a entidade indigenista
denuncia, entre outras coisas, que as agressões contra os índios são
promovidas por grupos privados, em aliança com o governo federal.
“Grupos políticos e econômicos relacionados com a agroindústria, a
mineração e construtoras, com apoio e participação do governo
brasileiro, tratam de revogar os direitos territoriais dos povos
indígenas”, diz trecho do comunicado.
De acordo com o Cimi, ao
menos 437 terras pertencentes a 204 comunidades indígenas sofrem com os
impactos de grandes empreendimentos. Caso da construção de usinas
hidrelétricas como a de Belo Monte, no Pará. A entidade indigenista
afirma, ainda, que entre os povos afetados por tais projetos estão
grupos em situação de isolamento voluntário.
O documento também
trata dos conflitos resultantes da disputa por terras entre índios e
produtores rurais, no sul da Bahia e no interior do Rio Grande do Sul, e
menciona a situação dos povos indígenas do Vale do Javari - sudeste do
estado do Amazonas -- que, de acordo com o Cimi, não recebem a devida
assistência médica e sucumbem a surtos de hepatite e de outras doenças
contagiosas.
Ainda de acordo com a assessoria, dom Erwin e o
assessor teológico do Cimi, Paulo Suess, afirmaram ao papa Francisco que
o governo da presidenta Dilma Rousseff, contrariando a Constituição
brasileira, paralisou a demarcação das terras indígenas, o que serviria
de estímulo à violência contra os direitos dos povos tradicionais. De
acordo com o Artigo 67 do texto constitucional de 1988, a União deveria
concluir a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos, a
partir da promulgação da Carta Magna.
“A paralisação da
demarcação é uma das principais causas de conflito e da violência que
sofrem os povos indígenas”, diz outro trecho do documento entregue ao
papa, junto com cópias de publicações e estudos que sustentam as
denúncias apresentadas ao Vaticano.
Dom Erwin relatou ao papa que
o próprio Cimi e outras organizações indigenistas são alvo de ataques
para garantir os interesses do agronegócio, e que a violência física e
verbal contra os representantes dessas entidades tem aumentado. “Os
missionários do Cimi são atacados sistematicamente por deputados que
encarnam os interesses da agroindústria e dos fazendeiros”.
Nós os índios, conhecemos o silêncio. Não temos medo dele. Na verdade, para nós ele é mais poderoso do que as palavras.
domingo, 20 de abril de 2014
CARTA DIRIGIDA AO PAPA FRANCISCO EM JULHO DE 2013(CPT)
Caríssimo Irmão Francisco,
Como
é bom nos dirigir ao senhor chamando-o simplesmente de irmão, sem
qualquer outro título que o distancie do projeto de Jesus. Sentimo-nos
muito próximos do senhor por esta sua postura simples e sonhamos com um
dia a Igreja se ver totalmente livre, simples e pobre como Jesus de
Nazaré, ao lado dos pobres com tantos rostos e nomes. Queremos saudar
sua presença no Brasil na Jornada Mundial da Juventude.
Quem somos nós? Somos um conjunto de pastorais da igreja que atuam junto aos homens e mulheres do campo e das águas: o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atua junto aos povos indígenas de todo o Brasil; a Comissão Pastoral da Terra, CPT,
que tem sua atuação junto às diversas categorias de camponeses e
camponesas, junto aos trabalhadores e trabalhadoras sem-terra, aos
pequenos agricultores familiares, às comunidades quilombolas
(comunidades remanescentes formadas por afrodescendentes fugidos da
escravidão) e junto aos trabalhadores que acabam submetidos a condições
análogas ao trabalho escravo; o Conselho Pastoral dos Pescadores, CPP,
que tem como objetivo ser presença de gratuidade evangélica no meio dos
pescadores e pescadoras artesanais, estimulando suas organizações para a
preservação do meio ambiente e a permanência em seus territórios
tradicionais; o Serviço Pastoral dos Migrantes, SPM, que
desenvolve sua ação junto às famílias que constantemente migram em
busca de melhores condições de vida, ou de pessoas que todos os anos
procuram em outras regiões, longe de suas casas, trabalhos
temporários; a Pastoral da Juventude Rural, PJR, que atua com os jovens camponeses.
Neste
serviço solidário ouvimos todos os dias os gemidos de dor e angústia de
milhares de famílias que foram ou ainda são espoliadas de suas terras,
de seus meios de subsistência e de sua cultura, que são discriminadas e
invisibilizadas Os direitos destes povos, comunidades e famílias são
constantemente negados para abrir espaço ao avanço de empresas e
empreendimentos capitalistas com seus grandes projetos de
“desenvolvimento” com construção de hidrelétricas, exploração de
minérios, monocultivos do agronegócio e outros que tudo querem
transformar em mercadoria.
Quando
alguns direitos são reconhecidos, acabam não sendo respeitados. Para
serem reconhecidos é preciso percorrer um penoso e desgastante processo
que se prolonga por décadas. Isto acontece, sobretudo quando se trata do
direito aos territórios dos povos indígenas, das comunidades
quilombolas, dos pescadores e ribeirinhos e de outras comunidades
tradicionais. Porém o reconhecimento e regularização destes territórios e
a sonhada Reforma Agrária continuam presentes na sua pauta.
Este
trabalho evangélico desenvolvido por bispos, padres, religiosos e
religiosas e, sobretudo, por leigos e leigas sofre o ataque de diversos
setores da sociedade, em especial daqueles que se colocam como os únicos
portadores de direitos, em particular do direito de propriedade e dos
que os apoiam. O mais angustiante, porém, é que esta incompreensão a
encontramos também em setores da própria igreja e da parte de muitos
bispos e padres que estão mais ao lado dos que têm bens e poder, do que
ao lado dos pobres.
Irmão
Francisco, cada vez que o ouvimos falar que a igreja deve sair de
dentro de suas estruturas e estar ao lado dos pobres para ouvir seus
clamores e sentir de perto seus sofrimentos, nos sentimos apoiados e
fortalecidos em nosso trabalho e em nossa Missão
que é a missão samaritana de ajudar a que os caídos se levantem e
caminhem por si, a que os oprimidos ergam a cabeça reconhecendo sua
dignidade de filhos e filhas de Deus.
Gostaríamos
imensamente que um dia o senhor pudesse pessoalmente conhecer de perto a
realidade do povo das comunidades com as quais trabalhamos para
dar-lhes uma palavra de incentivo e afeto. Mas como no momento não é
possível, gostaríamos que mesmo de longe envie sua palavra de conforto
para eles que sofrem a cada dia as violências e as ameaças à vida e à
dignidade humana.
Que o Senhor que é pai e mãe de todos abençoe seu ministério à frente da Igreja e abençoe a todos e todas nós.
Dom Enemésio Lazzaris - Bispo de Balsas - MA
Presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Rio de Janeiro, 23 de julho de 2013.
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